A minha guerra naquela altura estava algures no Norte de Angola e eu era um dos elementos do Jornal do subsector que, diziam, o melhor da tropa em Angola.
O alferes Bolinhas estava de oficial de dia quando nos encontrámos e chamou-me ao respectivo gabinete para me dizer que o comandante estava furioso comigo e tinha mandado suspender e recolher os jornais já distribuídos.
- É por causa do teu artigo, disse-me – o que é que escreveste?
- Umas coisas acerca do Vira Latas, retorqui.
- Vendo a cara dele, bolachuda e com aquele ar de quem conhece nos mais pequenos pormenores a alma humana, não viesse ele de soldado da GNR a quem o médico perguntou, nessa altura, o que tinha ele na barriga, para, anos depois e já sargento o mesmo médico lhe tratar do estômago e, por este andar, como dizia, agora que sou oficial terão que me tratar do ventre. Eis o Bolinhas!
- O Vira Latas era o cão querido da rapaziada que o comandante mandou abater. Andava connosco por todo o lado, desde o serviço de guarda onde era mais eficiente nas rondas que certos graduados, até ir com o pessoal para a senzala em incursões de amor. Até lhe arranjámos uma cadela e também com a rapaziada para os copos... Contava a história dum amigo. O pessoal vai rever-se nela...
- Só isso?... Não escreveste mais nada?...
- Bem, só se o nosso comandante não gostar do cão mesmo depois de morto, adiantei.
- Também o eclesiástico estava aos saltos e tu dizes que não é nada de especial, insistia o Bolinhas.
- Meu alferes, só se for pelo título, letras de corpo 48...
- E que diz o título acerca desse teu defunto amigo?
- Diz... bem... é o que eu sinto. Diz: REQUIEM POR UM CÃO VADIO!
publicado a pedido de HELDER LOBO